16 de janeiro de 2020

Quebra cabeças

Estive anos e anos debaixo de uma grande árvore que jurava que debaixo dela eu poderia ter a sombra mais fresca e maior de todo o jardim. Mas sempre via dona coruja sobrevoando e um pequeno beija-flor que, olhando para mim, diziam para não ter medo, pois havia segurança longe da grande árvore, mas eu temia a força do brilho do sol, não conseguia ver tanta liberdade quanto a dona coruja e o pequeno beija-flor. Em minha pequena bolsa carregava pedaços, não sabia o que significavam, alguns muito escuros, outros claros demais e outros confusos e abstratos. A grande árvore me dava peças, a maioria escuras e outras abstratas e eu, na minha pequena e - para mim - insignificante existência, achava que de nada serviam, mas recebê-las me manteria segura e fresca debaixo daquela grande árvore. Logo brotaram galhos e mais galhos e o espaço entre a árvore e eu foi ficando maior e eu já não mais ouvia, a grande coruja com seus olhos atentos e protetores dizia para sair dali, para deixar o medo de lado e o pequeno beija-flor me dizia para andar, dizia que eu tinha um grande brilho que a árvore queria ofuscar. Um dia a coruja tomou coragem e me disse:
- As peças dessa sua bolsa são quebra cabeças, você deve montá-lo ao seu modo, pode usar as mais escuras e ver as mais claras, pode usar as abstratas ou simplesmente criar seu modo de ver, desde que não se prenda àquilo que ofusca você.
Eu finalmente decidi ouvir a linda e sábia coruja e montei o quebra cabeças do meu jeito, deixando as escuras me guiarem até as abstratas e chegar até as mais claras, vi que a montagem desse quebra cabeças permitia que visse meu reflexo, o beija-flor perplexo e feliz cantava que eu havia conseguido, em seu canto ouvia choros que eram de alegria. As partes escuras eram reflexo daquela grande árvore e então eu pude perceber o brilho que tinha. Somos feitos de sombras, mas não quer dizer que o sol nos fará mal, devemos ouvir os conselhos sábios e nos apegar aos beija flores que chegarão para nos encorajar, devemos olhar nos olhos das corujas e acreditar que é possível voar. A árvore não era mais minha sombra, não era mais meu lugar, percebi que poderia ser muito mais que uma pequena bolsa cheia de peças, eu podia brilhar.

2 de outubro de 2019

Sobre heróis ou algo assim

Horas parada olhando as marcas nos braços, as cicatrizes nos pulsos e cheia de lembranças de um passado não tão distante,
essa dor de angústia é uma arma cortante que me faz acreditar que afaga a pele,
mas me fere, me destrói, me desmonta e corrói tudo aquilo que eu demorei anos pra construir.
Vocês não vão chegar, vocês nunca estiveram aqui.

Os gritos na madrugada que perfuravam os ouvidos, os pesadelos repetidos e tão implacáveis quanto as marcas antigas,
embora estivesse com vida, não havia mais motivos para sorrir.
Arrastando seu corpo tão definhado quanto sua alma e mesmo que os olhos transparecessem calma,
não havia mais nada ali.
Vocês não vão chegar, vocês nunca estiveram aqui.

Em sonhos vinha um pouco de fé, de motivos para continuar ali e ficar de pé,
mas de que adiantava olhar para o céu se suas lágrimas embaçavam as imagens que os olhos acreditavam que poderiam tocar,
você está sozinha e sempre vai estar,
tão frágil e esperançosa com as mãos trêmulas e raivosas por acreditar em histórias felizes,
mesmo que na memória só habitem cicatrizes, ainda esperava que eles fossem chegar.
Seus heróis não virão te segurar.

Quando a dor começou a tirar tudo o que restava de bom,
a vida mudou de tom e tudo entrou numa escala de cinza escuro e o coração tão puro se deixou levar pela dor de existir,
se questionar pra que continuar, pra que prosseguir,
esperando que um fio de vida viesse mudar seu passado.
Um coração tão condenado a adversidades, contratempos e amargura,
gritava que o amor poderia ser a cura, mas não havia mais amor por ali.
Eles não vão chegar, eles não estão aqui.

Uma juventude roubada jogada a um futuro audaz, cruel e torturante,
remédios que tornaram os momentos bons um pouco mais duradouros, 
poupou tempo, pensamento e cortou o choro,
não existia mais nada ali, era só um corpo que buscava algo ao que se apegar, 
mas de que adiantava procurar coisas que nunca a quiseram ali?! 
Seus heróis não vão te ver seguir.

Abrace a si mesma, console seu próprio coração,
foi dessa forma que a vida lhe ensinou a lição de que nem sempre estar sozinha é solidão.
Então não espere que alguém venha por aquela porta que dá acesso ao nono andar,
você tomou a decisão, fechou os olhos e abriu o coração e acreditou que iria voar.
Mas seus heróis não vieram... eles nunca vieram lhe buscar.

29 de setembro de 2019

Demasiada.mente

Os cortes se tornaram pequenos ensaios para um dia que a sorte resolva mudar.
Ainda tenho as cicatrizes dos machucados na minha alma, mas ninguém vê,
muitas vezes eu gritei de dor, mas nunca fui ouvida, muitas vezes eu fui chamada de dramática,
ninguém entendia a intensidade que eu amava, que eu sentia, que eu me machucava.
"Pare de se fazer de vítima!", a frase que ecoa na cabeça quando tudo dói.

Traços pequenos, quase retos, quase invisíveis nos pulsos de alguém tão triste,
que ainda existe num passado tão doloroso e cheio de marcas de lágrimas.
Eu ainda estou presa ao que aconteceu lá e hoje eu sei que sempre vou estar.
Eu gritei de dor, ainda sinto o gosto do veneno tomado na primeira dose para acabar com a dor,
mas não passava, eu apenas agonizava sentimentos que ainda me fazem viver ali.

Eu jurei pra mim mesma que não ia tentar de novo, 
mas lá vem os sentimentos descontrolados e os limites sempre ultrapassados por mim,
o carro acelerado, sinais fechados, mas o meu medo havia sumido,
eu queria fazer o mesmo que ele.

Os cortes se tornaram pequenos ensaios para um dia que a sorte resolva mudar.
E eu achando que nunca iria afundar de novo, mas nunca estive no raso,
eu nunca fui tão superficial, vaga, desabitada, desumana,
eu sempre fui muito mais profunda e minha intensidade inunda todo o meu ser.
Agora eu tenho muito mais marcas, muito mais cicatrizes, muito mais desistências
Eu achei que poderia mudar minhas essências, mas fui feita demasiadamente sentimental,
eu juro que não me faço de vítima, mas pra mim o amor sempre será fatal.

Meu limítrofe

Muitas vezes louca, muitas vezes contida
Às vezes tão certeza, outras dividida,
sou feita de momentos, incertezas tão certas
e pequenos surtos que me fizeram chegar até aqui.

Os pulsos com cicatrizes,
ainda me lembro o gosto daquelas doses altas
usadas para matar a dor que eu não sabia de onde vinha.
Mas não adiantou, eu ainda estou aqui.

Tantos anos para um diagnóstico,
uma tradução do que fui, do que sou e do que serei,
mas não conserta as dores que em mim foram dadas,
eu já vim de uma linha de crianças rejeitadas,
não era digna de ser amada, nunca fui.

E não adianta olhar pra trás e pedir desculpas,
eu nunca vou conseguir consertar e nem lidar com culpas,
culpas que herdei de uma lembrança tão ruim.
Talvez tenha que ser assim, talvez seja isso que resta de mim.

20 de setembro de 2019

Além dos olhos

Eu quero ser o motivo do desconforto, dos olhos emocionados e dos girassóis,
eu quero ser a saudade incontrolada, o grito, o choro e as lembranças dos nós.
Eu quero ser o laço, o abraço, o carinho, o muro pichado, o afago, o desperdício,
eu quero ser um impacto, um descontrole, uma distância e um pedaço de fé.

Eu quero ser o motivo de lembranças, fotos, páginas, textos e poemas,
eu quero estar em músicas, canetas, postais e toques de celular.
Eu quero ser o impacto que o mundo vai sentir como as asas da borboleta no oceano,
eu quero ser o futuro de um plano que nem sequer foi traçado direito.

Eu quero ser a viagem, o dom, o tom, a cor e a oração de alguém,
eu quero ser aquele desejo do bem, de quem, dos cem.
Eu quero passar por milhares de cabeças, por milhares de olhos, por milhares de lembranças,
por conta das circunstâncias até ali.

Eu quero ser a planta que cresce e arranca o coração pela raiz,
mas não na intenção de maltratar, machucar ou quebrar o amor de alguém,
eu quero ser o motivo que se ama além daquilo que os olhos podem ver.

6 de julho de 2019

Ser e estar

Sinto um aperto no peito que me tira o sossego em dois segundos de paz,
é como se faltasse o ar, o chão sumisse e tudo se desfizesse em minha coragem de sair.
Em pedaços meu coração me olha e diz que tá tudo bem,
todo mundo se despedaça um pouco antes de se reconstruir.

As escolhas machucam muito, parece que as decisões para amadurecer são facasa pontadas para nossos sonhos e planos que nos obriga a ir por um único caminho.
São medos, devaneios, desistências e saudades que ficam em nosso novo espaço,
e em segredo você sabe que vai ter que deixar partes suas nos lugares que talvez nunca volte.
Ou voltará?

Eu sinto tanta dor, tanta agonia, porque se eu encontrasse minha felicidade questionaria se teria que me partir tanto para conseguir o que acredito ser meu canto,
perguntaria se eu teria que abrir mão do estar para ser,
se a resposta fosse "sim" talvez eu não quisesse essas escolhas para mim.
Ou quereria?

As verdades que aparecem quando mudamos de lar machucam e a dor não cabe em meus braços.
Estou bem, eu prometo, mas me dói ver que estou partindo e que a distância geográfica me despedaça a crença de estar onde queria estar e poder ser ali,
eu não caberia mais em mim.

É que todas as escolhas que me fizeram optar por isso ou por aquilo,
por esses ou aqueles, me fazem querer entender o que é que a vida paga tanto pra ver,
desfazendo sorrisos, deixando a saudade ficar enorme, deixando a dor corroer no âmago,
eu ainda com medo, querendo estar em abraços que me protegiam do mundo, querendo poder conciliar tudo.
Mas ficou tão difícil conciliar, mas se eu pudesse faria um novo verbo que unisse o ser e o estar.

a saudade despedaça, quebra e torna tudo difícil.

19 de junho de 2019

Memórias

Então eu te vi tão apaixonada, amada e feliz,
vivendo a vida que sempre quis e jurando que nada poderia mudar,
acreditei nos seus sorrisos e nas certezas que você jurou pra mim
eu aceitei o mundo que você enfeitou, eu aceitei sim.

Eu te vi tão amordaçada, irritada e infeliz,
vi você gritar nomes, implorar consertos e buscar acertos,
eu vi você buscar ajuda e não aceitar, eu vi você tentar recomeçar,
mas os recomeços só te aproximavam do fim.

Eu te vi gritar, chamar por Deus, clamar, mesmo de coração ateu,
acreditar que as definições de amor seriam refeitas,
acreditar em promessas que eram desfeitas logo depois que os silêncios dominavam seu olhar,
eu tive medo de te perder, mas tive muito mais medo de você nunca mais amar,
de nunca mais conseguir olhar pra o céu como na primeira vez que te vi.

Eu te vi desacreditar, odiar, fugir, refugiar e perder todo o seu sentido,
eu vi você se perder, se deixar e levar meu coração consigo,
e por alguns meses te vi chorar, sentir raiva, sentir rancor, se desesperar,
eu ainda torço pra que você se reconstrua e eu sei que você vai conseguir,
mas eu quero que você volte a amar com coração, quero que você se ache no lugar que resolveu partir.

17 de maio de 2019

Recordações me matam

Quando você estiver lendo essas palavras, por favor entenda, que verso em verso estou sangrando.
Sangro as emoções, os sonhos, os desejos, os anseios que você inspirou em mim,
cada palavra, cada certeza, cada tremor em minhas mãos,
é a incerteza quase certa que transbordo todo o amor que em palavras vira emoção.

É tão eterno e terno esse amor que em mim habita por você,
que não importa quantos erros foram cometidos e comedidos,
é por você que ainda luto, levanto e saio e dou sorrisos.
Não tenha medo do quanto vou chorar, suas palavras e seus pés irão me fazer saltar.

E saltarei, eu saltarei com a certeza de que a vida ensina,
não com seu carinho, muito menos com o afeto que tinha em seu abraço,
mas eu não tenho medo dos laços, não tenho medo porque sempre fomos nós.
E mesmo que as histórias se descruzem, que os caminhos percam o compasso,
eu sigo os seus passos para acertar a nossa melodia de amar.

Embora algumas palavras tenham sido trocadas de maneira dolorida,
algumas não ditas, silenciadas e sufocadas em saídas sem voltas,
em partidas e gritos deixados em portas,
ainda sou a busca de acertar na vida, me tornando espumas num vento,
que num som atento pede pra vida pisar devagar.
Ainda tenho um coração frágil,
ainda sou como nossos pais.

6 de maio de 2019

Espadrapo e merthiolate

Houve um tempo em que o cheiro de cachimbo, misturado com a mania de estudo, somado a facilidade de aprendizado era tudo que eu precisava.
Houve um tempo em que gritos, chegadas tardias era tudo que eu não precisava.
Chegou ao ponto que somente a parte ruim, por mim, era recordada.
Embora me sentisse sozinha estando acompanhada, ao redor eu sentia que meu mundo desabava.

Eu nunca entendi direito o que devia ser perfeito apenas ressaltava defeito de duas vidas, que o destino unia.
E de duas se tornaram quatro que viviam num curto espaço repleto de amor e agonia.
Um herói que largava a capa, uma rainha que deixava a coroa,
Embora duas pequenas vidas sofressem a toa, sem nem saber o que o destino reservaria.

Ainda existe um poço de dor, de ressentimento, de descontentamento com tantas ruínas que o destino deixou para trás,
Ainda sinto resquícios de um amor que não retorna mais,
Ainda habita em meu coração uma lembrança boa preenchida de razão que contempla os caminhos separados,
Mas o destino sabia que até meu coração tinha sido separado?
Não sei, não consigo entender.

Ainda me recordo dos perfumes, cremes, roupas estampadas, calças bem passadas e risadas abafadas na hora de dormir,
Me vem a memória uma mesa recheada, algumas fotos rasgadas e uma decepção que me tirava até o direito de sorrir,
Via todo dia uma imagem que se foi, via todo dia uma rotina que não queria.
Embora estivesse acompanhada, me sentia tão sozinha,
Mesmo sabendo que ao meu lado alguém sentia uma dor igual a minha,
Que se fortaleceu pra equilibrar, mas não imaginava o quanto a força poderia afundar e soterrar raivas não sentidas.
Ainda lembro de portas fechando, gritos, frutos do mar e partidas.
Ainda me dói a dor de ter dado um pause seguido de stop de duas vidas.

29 de abril de 2019

Dói

Reviro gavetas, abro portas, fecho janelas, olho em volta e não consigo achar.
Procuro por toda casa, tiro até mesmo o sofá de lugar só pra ver se consigo encontrar,
Aquela coisa que vai me ajudar a parar de sentir essa angústia, agonia, que também afeta minha respiração,
Eu tô procurando por todo canto, mas não sei nem o que é, até então.

Eu olho pros lados, visito parques, lojas, e tantos lugares e ainda sinto essa dificuldade,
Eu não consigo respirar, já fui em médicos, curandeiros, em tanto lugar,
Mas ninguém consegue descobrir o que causa isso.

Então eu paro, olho pro céu, fecho os olhos e puxo com toda vontade o ar,
Não consigo, dói, falta alguma coisa, falta algum detalhe,
E de repente uma voz sussurra sem nenhuma maldade:
Essa dor é a dor da saudade!