16 de agosto de 2018

Héritage

É que ir embora nem sempre é deixar para trás.

Ele arrumou a mala e suas poucas roupas e foi.
Antes parou na porta de um quarto e viu um pedaço seu que deixaria para trás.
Mas ele escolheu ir, para poder ficar.
Ele escolheu ir, para poder ficar e isso é tão contraditório. Não é?
Mas ele só conseguiria ficar perto, se fosse um tempo para longe.
Ele tinha que olhar por fora tudo o que estava acontecendo, para poder ter motivos para estar ali. E ele esteve. Ele está.
É que ir embora não é deixar tudo para trás, por dentro, ele sabia disso.
Ir embora também é uma forma de ficar, é se aproximar, é permanecer e, também, é se despedaçar.
Ele parou, se encostou na porta e escolheu um rumo diferente do que haviam previsto.
Ele escolheu àquilo que pudesse aproximar do que tanto amava. Ele resolveu partir para não ferir, mas ele se feriu, ele sangrou. Só ele sabe o quanto se feriu.
Mas ele lutou, enfrentou e finalmente confrontou seus medos para poder ficar. Ele ficou.
É que ir embora pode ser sinônimo de voltar, de estar, de permanecer.
Ele arrumou suas poucas coisas, quebrou o seu coração e foi. Foi para conseguir ficar.
E eu repeti o que ele fez. Eu fui embora, para poder ficar.
É que ele me deu coragem para confrontar, além do motivo para respirar.
Eu também fui embora, só para ficar ainda mais.

9 de agosto de 2018

É só um vento lá fora...

É só um vento lá fora que agora acompanha a pena azul da gaivota,
Esta que antes parecia apenas uma pétala ainda cheia de orvalho provocado pelo primeiro nascer do sol
E o meu coração ainda ouve o choro da criança desconhecida - hoje tão conhecida, que sorrir quando me ouve falar.
É um cheiro do cachimbo que se expande no ar e ainda reclama de passados que já não voltam mais.
É, só um vento, uma ave, uma pena, uma pétala a fumaça e a lua.
É o prédio cheio de vazios e o desencontro de ter invadido e morado em tantas casas, estas já nem me lembro mais. Acho que ouvi isso na voz de um um poeta.
Somos apenas sombras de canções, de cartões trocados, amores inacabados e novas gerações.
Ainda no quinto andar, ainda buscando a vida no silêncio que grita daquela caixa de joias de uma senhora que mesmo depois de ter ido, continua sendo mãe e amuleto.
Sou apenas o vento que sopra todas as lembranças quase que escondidas, quase que saudosas, quase que esquecidas na manhã do café doce demais, melão maduro e uma camisa verde cana que combina com uma calça lilás.
Sou apenas a foto daquela camisa desgastada, o vestido preto e branco e o Belchior no canto, autografado e amado.
É, de fato, é só um vento lá fora.