16 de agosto de 2018

Héritage

É que ir embora nem sempre é deixar para trás.

Ele arrumou a mala e suas poucas roupas e foi.
Antes parou na porta de um quarto e viu um pedaço seu que deixaria para trás.
Mas ele escolheu ir, para poder ficar.
Ele escolheu ir, para poder ficar e isso é tão contraditório. Não é?
Mas ele só conseguiria ficar perto, se fosse um tempo para longe.
Ele tinha que olhar por fora tudo o que estava acontecendo, para poder ter motivos para estar ali. E ele esteve. Ele está.
É que ir embora não é deixar tudo para trás, por dentro, ele sabia disso.
Ir embora também é uma forma de ficar, é se aproximar, é permanecer e, também, é se despedaçar.
Ele parou, se encostou na porta e escolheu um rumo diferente do que haviam previsto.
Ele escolheu àquilo que pudesse aproximar do que tanto amava. Ele resolveu partir para não ferir, mas ele se feriu, ele sangrou. Só ele sabe o quanto se feriu.
Mas ele lutou, enfrentou e finalmente confrontou seus medos para poder ficar. Ele ficou.
É que ir embora pode ser sinônimo de voltar, de estar, de permanecer.
Ele arrumou suas poucas coisas, quebrou o seu coração e foi. Foi para conseguir ficar.
E eu repeti o que ele fez. Eu fui embora, para poder ficar.
É que ele me deu coragem para confrontar, além do motivo para respirar.
Eu também fui embora, só para ficar ainda mais.